e veja o que temos feito de nós.
Não temos amado, acima de todas as
coisas.
Não temos aceito o que não entendemos
porque não queremos passar por tolos.
Temos amontoado coisas, coisas e coisas,
mas não temos um ao outro.
Não temos nenhuma alegria
que já não
esteja catalogada.
Temos construído catedrais,
e ficado do
lado de fora,
pois as catedrais que nós mesmos
construímos,
tememos que sejam armadilhas.
Não nos temos entregue a nós mesmos,
pois isso seria o começo de uma vida
larga e nós a tememos.
Temos evitado cair de joelhos diante
do primeiro de nós que por amor diga:
tens medo.
Temos organizado associações e
clubes sorridentes onde se serve com ou
sem soda.
Temos procurado nos salvar,
mas sem usar
a palavra salvação
para não nos envergonharmos de ser
inocentes.
Não temos usado a palavra amor
para não termos de reconhecer
sua contextura
de ódio,
de ciúme e de tantos outros
contraditórios.
Temos mantido em segredo a nossa
morte para tornar nossa vida possível.
Muitos de nós fazem arte por
não saber
como é a outra coisa.
Temos disfarçado com falso amor
a nossa
indiferença,
sabendo que nossa indiferença
é angústia
disfarçada.
Temos disfarçado com o pequeno medo
o grande medo maior e por isso nunca
falamos o que realmente importa.
Falar no que realmente importa
é
considerado uma gafe.
Não temos adorado por
termos a sensata
mesquinhez
de nos lembrarmos a tempo dos falsos
deuses.
Não temos sido puros e ingénuos para
não rirmos de nós mesmos e para que no
fim do dia possamos dizer
"pelo
menos não fui tolo"
e assim não ficarmos
perplexos antes de apagar a luz.
Temos sorrido em público do que não
sorriríamos
quando ficássemos sozinhos.
Temos chamado de fraqueza a nossa
candura.
Temo-nos temido um ao outro, acima de
tudo.
E a tudo isso consideramos
a vitória nossa de cada dia...
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